Osasco, 8 de maio de 2009
Por que doem as minhas entranhas?
Tentando responder a esta pergunta quero apresentar ao meu ciclo de amigos a minha indignação, como também a minha vergonha e descrédito pela instituição a qual insisto em dizer que faço parte, mas que neste caso como em tantos outros, na condição de mulher, não comungo. E ainda partilhar o sentimento de dor nas entranhas, uma dor que incomoda, angustia, mas que não tem identidade.
Por que insistimos em fabricar um Deus segundo a nossa imagem e semelhança? E Por que, enquanto igreja, esquecemos tão facilmente o respeito que Jesus sempre teve pelo ser humano, a ponto de afirmar que: “Acima da Lei está a vida”?
De que vida estamos falando em nome desta Igreja? Da vida que cada um defende, porque representa a Lei ,ou da vida plena para todos?
Junto à pergunta acima outras se sucedem e creio que faz parte do universo filosófico do qual estou tomando conhecimento e me redescobrindo. E por isso recorro ao grande e conhecido Platão para fazer mais uma pergunta: Por que ainda insistimos em ver o que está atrás das sombras da caverna? Por que afirmamos com tanta convicção o que imaginamos que vimos?
Quero aproveitar esta ágora para levar ao seu conhecimento a minha indignação e ainda fazer outra pergunta: Quem primeiro teve a vida violentada, morta, estraçalhada? A menina no auge de seus mínimos seis aninhos ou o feto indefeso no seu ventre três anos depois do invasor ter penetrado as suas entranhas?
Menina, que menina, se aos seis anos seu templo fora profanado pela condescendência daquele que se fez seu pai e a estrupou?
Menina, que menina, se teve a sua infância violentada, sua individualidade desrespeitada , seu segredo e seus mistérios, sacramentos de sua intimidade, invadidos?
Onde ficou aquela menina quando seu padrasto invadiu a sua intimidade? Para onde foram os seus sonhos e a inocência do ser criança? O que fora colocado no lugar deles? Medo, indignação, repúdio, nojo, vergonha, asco, ou nada? Sim porque a sensação de nada de todas ainda é a pior, se é que existe uma pior nesta situação.
Quando falo menina penso nas minhas filhas e em mim também que corríamos para o papai quando este chegava do trabalho. Ali fomos abraçadas cheiradas e aconchegadas em seu colo na alegria de nos sentirmos protegidas e amparadas . Nos dois tempos o meu e o das minhas filhas as meninas não ouviam falar de estupros. Como ficam estas meninas de hoje cuja informação chega tão rápida e tão invasiva?
Do colo do meu pai eu lembro os cheiros que me dava impregnado do cheiro do seu suor de homem da roça, de forma que até hoje gosto de cheiro e de ser cheirada.
De que cheiro se lembrará esta menina? Do cheiro das más palavras do homem que se diz representante de Deus e que imbuído desta autoridade lhe aponta o dedo da condenação, esquecendo daquele que antes havia lhe roubado parte de sua infância e excomungando outro homem porque lhe deu a mão em defesa de sua vida?
Dói muito ver este solo pernambucano exportando para o mundo mais uma história de menina, que só é mais um universo feminino profanado, por palavras e atitudes mal ditas. Prefiro lembrar Dom Helder Câmara, outro homem pernambucano, que também já representou esta Igreja e que por suas atitudes em defesa da vida, se santificou e espalhou cheiro de coisa boa nesta mesma Igreja.
Que pena que este homem da Igreja, não se espelhou nas atitudes de Jesus, de Dom Helder Câmara e de tantos outros desta mesma estirpe! Cada um deles no seu jeito nos ajudam a experimentar a presença de Deus em momentos de cruz como este, trazendo no seu jeito de agir, de ser, de pensar e repensar a vida, uma proposta nova. Proposta de ressurreição. Eis a diferença!
E para terminar vou deixar mais uma pergunta: Quem falou mais alto nesta história, o representante da Igreja a qual pertenço ou o homem, o macho que teme o dia em que as mulheres, maioria nesta Instituição, tomem em suas mãos o direito de decisão sobre o seu corpo?
Afinal, quem esta mãe pensa que é para decidir o que fazer no corpo desta outra, mulher, menina, mesmo que ainda criança esteja grávida de gêmeos fruto de um estrupo?
Você acha que este homem lembrou que ela era ainda uma menina?
Eu creio que não, pois se até esqueceu do estrupador na hora da sentença!
Em que mundo estamos?
Por que doem as minhas entranhas?
Maria do Socorro Marcos da Silva